PROJETO DE TESE:

Notas gerais

Mahavalany Sunny-Ray [17 jun. 2010]

Nietzsches gegen die "Verlegenheit und Ausflucht Mystiker" von Schopenhauer

Nietzsche contra os “embaraços e subterfúgios místicos” de Schopenhauer

 Objetivo geral: Verificar o alcance verossímil da crítica de Nietzsche à filosofia de seu mestre, corroborando os acertos e criticando justificadamente os possíveis equívocos.


TESE: A motivação mais provável dos ataques nietzscheanos a Schopenauer pode ser entendida pela necessidade de demarcação de identidade filosófica própria, sem a qual Nietzsche jamais deixaria de ser um eco ou sombra filosófica de seu mestre. Em ambos os pensadores a figura do sábio recebe importância destacada, por isto, há que se entender que eles se colocaram no patamar filosófico de críticos da sabedoria humana, isto é, da idéia de sábio, ao passo que eles mesmos nolens volens acabaram por se enquadrar na denominação em questão.

Esboço Preliminar:

I MOMENTO ORIENTAL

 

1.   O TAO DA VONTADE

1.1       SOBRE O SANTO/SÁBIO/SABEDORIA E AFINS NA CHINA

1.2       SOBRE A MÍSTICA RELACIONADA AO SÁBIO NA CHINA DE LAOZI

2.   O NIRVANA DA VONTADE

2.1. ASPECTOS COMPARADOS ACERCA DOS SÁBIOS E DA MÍSTICA HINDÚ, A FILOSOFIA CLÁSSICA E MODERNA (SCHOPENHAUER E NIETZSCHE)

 

II MOMENTO OCIDENTAL

 

1.   O SÁBIO E A MÍSTICA NA GRÉCIA CLÁSSICA

2.   O QUE DISSE SCHOPENHAUER SOBRE O SÁBIO E A MÍSTICA

3.   O QUE DISSE NIETZSCHE SOBRE O SÁBIO E A MÍSTICA

4.   LEITURA FILOSÓFICA SOBRE A PRÉ-HISTÓRIA DO PENSAMENTO DE AMBOS OS FILÓSOFOS (PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS)

5.   O CERNE DA CRÍTICA DE NIETZSCHE À ‘MÍSTICA’ DE SCHOPENHAUER

6.   CRÍTICA DE NIETZSCHE AO PESSIMISMO

7.   APOIO DE NIETZSCHE AO MESTRE (1. COMPAIXÃO, CRÍTICA DA HISTÓRIA, DA MORAL, RELIGIÃO, ATEÍSMO, NIILISMO, DEFININDO A AMBOS, O FILÓSOFO COMO EDUCADOR, A ARTE E A NATUREZA, CAUSALIDADE E CIÊNCIA)

8.   O QUE NIETZSCHE NÃO QUIS VER NA METAFÍSICA DO PESSIMISMO

P.S. PARA QUE A PESQUISA SEJA CONCLUÍDA EM TEMPO HÁBIL, TODOS OS ESTUDOS EM QUESTÃO DEVERÃO PARTIR: 1. DAS OBRAS DOS AUTORES, 2. DOS COMENTADORES, 3. DE MINHAS PESQUISAS INÉDIDAS MERAMENTE COMPLEMENTARES

 §99, pp. 123-126. In A Gaia Ciência. Nietzsche aponta os vícios e os pontos fracos da filosofia de Schopenhauer: “... seus embaraços e subterfúgios místicos”; mas sem desmerecer a grandeza filosófica de seu mestre.

p. 126 “Seja um homem! E não siga a mim, mas a si próprio”.

O caminho do “homem” em questão refere-se ao caminho do sábio ou santo. Esta temática pervaga a literatura sapiencial do ocidente ao oriente, nos mais variados contextos.

Este trabalho enfocará esta temática mais detidamente na filosofia de Nietzsche, Schopenhauer, recorrendo a comparações oportunas com outros textos antigos como o Baghavad Ghita e o Tao Te King, por exemplo. Uma vez entendido a priori que aos homens sábios ou santos, a referência a aspectos místicos inerentes sempre foi aludida. Ao que parece, tanto Schopenhauer quanto Nietzsche têm impressões próprias a este respeito. Portanto o âmbito do místico na filosofia de cada um deles deverá ficar muito bem esclarecido e exposto.

Na Bíblia, por exemplo, os sábios do Orientes foram denominados Magos e Reis. Sua sapiência os fez chegarem primeiro ao local do nascimento do Messias. Os cristão em geral não são muito afeitos a pessoas com conhecimentos místicos, veja-se o caso Simão Bar-jonas. Contudo, os magos saldaram a chegada do Messias.

Permanecer fiel ao que em nós é vero e original: este é o caminho do super-homem, do espírito nobre, da Grande alma.

§ 126, 127 – Mística e crença schopenhaueriana na Vontade [Tudo existente não passa de algo querente].

§ 127 – através das três teses contra Schopenhauer podemos tecer uma crítica na qual Nietzsche, sua filosofia, fracassaria ante a de seu pai-filósofo, do seguinte modo:

1.   Quando se tenta refutá-lo seguindo o princípio de razão;

2.   Isto corroboraria com a grandeza da filosofia pessimista, ao propor conscientemente uma crítica aparentemente relevante, mas que não atinge sequer à superfície do universo conceitual que envolve noção de Vontade Cósmica.

Para Nietzsche, o querer é um mecanismo, isto é, possui uma dinâmica própria. Na sua época nada se sabia sobre mecânica quântica[1]. Isto talvez tenha tornado sua crítica do voluntarismo schopenhaueriano ainda mais contundente.

§ 151 A Gaia Ciência

[No aforismo 151 de A Gaia Ciência, Nietzsche explicita a idéia de que a metafísica tem origem na religião, é esta que cria o âmbito que aquela assume, âmbito do “outro mundo”. Diz o aforismo intitulado Da Origem da Religião: “A necessidade metafísica não constitui a origem das religiões, como quer Schopenhauer, mas apenas um rebento posterior das mesmas. Sob o domínio de idéias religiosas, habituamo-nos à concepção de um ‘outro mundo’ (atrás, abaixo, acima de nós) e sentimos, após o aniquilamento da ilusão religiosa, uma privação e um vazio incômodo... No entanto, aquilo que nos tempos primitivos levou à suposição de um ‘outro mundo’, não foi um impulso ou necessidade, mas um erro na interpretação de determinados processos naturais, uma perplexidade do intelecto” (NIETZSCHE, 2001, p.160). Esse erro de interpretação é o que constitui a ilusão tanto da religião quanto da metafísica.] (In http://tecnociencia.inf.br/comunidade/index.php?option=com_content&task=view&id=332&Itemid=254

 
§ 179 “Pensamentos são as sombras dos nossos sentimentos – sempre mais obscuros, mais vazios, mais simples do que estes.” In A Gaia Ciência. Cia das Letras 2001.

 Complementos:

 
Tao Te King § 12 Tao Te Ching - Lao Tzu - Capítulo 12 (Trad. Mário Bruno Sproviero)

 
As cinco cores cegam a visão do homem

 
Os cinco tons ensurdecem a audição do homem

 
Os cinco sabores embotam o paladar do homem

 
Galopes e caças frenesiam o coração do homem

 
Bens custosos obstam as ações do homem


Por isso o homem santo

Sendo entranhas não olhos

Afasta o ali, agarra o aqui .

 

 assuntos relacionados (referências a outros estudiosos)
Mística e Conhecimento

 3. MÍSTICA E CONHECIMENTO

Coordenador: Bortolo Valle.

Participantes: Antonio Edmilson Paschoal, Bortolo Valle, Jair Barboza.

Resumo: A investigação busca explorar a noção de limites do dizível no âmbito da Filosofia. Tal experiência assumiu a partir de Wittgenstein a identidade de “mística”, no entanto seus traços característicos podem ser encontrados já na filosofia grega perpassando toda a história do pensamento no Ocidente e adquirindo visibilidade em autores como Nietzsche e Schopenhauer entre outros.

Tema: O silêncio em Wittgenstein: o estatuto da mística

 Bortolo Valle.

Resumo: A experiência do inefável (indizível) em filosofia é o tema deste projeto de pesquisa. A investigação busca explorar a noção de limites do dizível no âmbito da Filosofia de Ludwig Wittgenstein. Tal experiência caracterizou-se como uma mística na obra do filósofo de Viena.  A análise dos entornos do conceito de inefável e suas conseqüências no processo de conhecimento é o objetivo principal deste estudo. A investigação busca uma aproximação com a mística em Tereza de Ávila.

 Tema: Metafísica e mística

Responsável: Jair Barboza.

Resumo: O projeto debruça-se sobre a mística do indizível, sobre o silêncio da filosofia em face do que poderia ser o sentido do mundo. A linha de pesquisa começa com Jakob Böhme, passa por Schelling e seu escrito sobre a liberdade e culmina com o “nada” enquanto palavra final da obra de máxima de Schopenhauer. Como compreender a atitude deste personagem, o filósofo, que se orgulha do poder da linguagem, em face daquilo que não pode ser dito? Quais os limites do dogmatismo e do criticismo? O místico aqui indicado abarca, na linha de Schopenhauer e Wittgenstein, o ético e o estético.

 Tema: Intuição mística e conhecimento racional no jovem Nietzsche.

Responsável: Antonio Edmilson Paschoal.

Resumo: Tomando como referência os primeiros escritos de Nietzsche, pretende-se analisar a noção de “intuição” e de “intuição mística”, bem como a figura do “homem intuitivo” em contraposição ao “homem racional”, constituído na tradição ocidental a partir de Sócrates. Trata-se de apontar a sobrevalorização da razão, em moldes socráticos, que se deu na cultura ocidental e algumas de suas conseqüências.

*

Antonio Edmilson Paschoal, Doutor em Filosofia, Unicamp, Campinas, SP. Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR, Curitiba, PR - Brasil, e-mail: antonio.paschoal@puc.pr.br

 

         Resumo

         Abordaremos neste artigo certos aspectos do pensamento de Nietzsche, explicitados em alguns textos da época em que foi professor de Filologia Clássica na Universidade de Basel, com o objetivo de ressaltar a distância pontuada por ele em relação a seu mestre – Arthur Schopenhauer – já naquele período. Essa distância bem como uma discrepância de intenções entre ambos faz com que o jovem Nietzsche retribua bem ao seu mestre na medida em que não permanece “apenas discípulo”.

 

Palavras-chave: Schopenhauer; Nietzsche;Vontade;  Representação; Razão; Intuição.

 

Segundo Nietzsche – acompanhado em grande parte seu mestre – os instrumentos do intelecto que são o conhecimento lógico-racional, a linguagem e a palavra, servem apenas para representar o mundo, para traduzir aquilo que se adquire por intuição (Anschauung) e não para atingir a realidade em sua essência última.

 

                A superioridade do conhecimento intuitivo em relação ao conhecimento abstrato é manifestada por Nietzsche desde os primeiros parágrafos de O nascimento da tragédia, quando ele destaca o papel da intuição para a compreensão da contraposição entre o apolíneo e o dionisíaco entre os gregos: Apolo é o princípio de individuação, enquanto Dionísio, o Uno-primordial; e também: Apolo é a representação, o sonho que nos permite desfrutar a vida,

enquanto   Dionísio   é   a   embriaguez   que   possibilita   dissolver   o   princípio   de individuação e lançar um olhar para aquela unidade de tudo o que existe. A oposição a este tipo de sabedoria

intuitiva é exercida por Sócrates, o qual a desqualifica como ilusão e insensatez, renunciando a ela e colocando em seu lugar o conhecimento abstrato produzido por uma razão que supostamente oferece a segurança para ele poder afirmar: “só o sabedor é virtuoso” e mais, que “tudo deve ser consciente para ser bom”.

 

(NT, 12) Segundo Nietzsche, porém, o posicionamento de Sócrates em relação ao conhecimento termina por produzir uma monstruosidade: ao invés de tomar a intuição como fonte de inspiração e a consciência como o esforço por representar aquilo que se adquire intuitivamente, ele apresenta um demônio (uma inspiração mística, uma intuição) como crítica do conhecimento e confere à consciência o que justamente ela não possui: a capacidade de criação.

 

                Nesse mesmo caminho, segundo Nietzsche, encontra-se Platão “empenhado em ultrapassar a realidade” (NT, 14) por meio da razão e proclamando “o otimismo existente na essência da dialética, que celebra em cada conclusão a sua festa de júbilo e só consegue respirar na fria claridade da consciência.” (NT, 14).

Para Nietzsche, essa dialética otimista recusa a embriaguez dionisíaca, contrapondo a ela “aquela inabalável fé de que o pensar, pelo fio condutor da causalidade, atinge até os abismos mais profundos do ser e que o pensar está em condições, não só de conhecê-lo, mas inclusive corrigí-lo.” (NT, 15). Um conhecimento que promete desvendar os mistérios do mundo e revelá-lo seguro e confiável. Rev. Filos., Aurora, Curitiba, v. 20, n. 27, p. 337-350, jul./dez. 2008

 

Portanto, ao submeter a “vontade” de Schopenhauer ao mais rigoroso auto-exame, ele termina por concluir que ela “nada mais é que a forma mais universal da aparência de algo que para nós permanece completamente indecifrável” (KSA 7, p. 361). E utiliza a expressão “indizível” justamente em oposição à palavra “vontade”, que é “dizível” e, por conseguinte, não poderia, a não ser como uma metáfora, corresponder àquilo que se encontra além de toda individuação.

 

Duas críticas em A filosofia na idade trágica dos gregos                 Em seu livro de 1873, A filosofia na idade trágica dos gregos, obra publicada apenas postumamente, Nietzsche faz uma aproximação entre o “indeterminado” de Anaximandro, entendido como a essência imutável por trás do mundo das coisas determinadas,   e   a   “vontade”   de   Schopenhauer, entendida igualmente como a essência última de todas as coisas. Tal aproximação parte de dois princípios. Primeiro, do reconhecimento de uma intuição mística na origem de ambas as proposições e, segundo, da interpretação da “vontade” de Schopenhauer como uma metáfora antropomórfica utilizada pelo filósofo de Frankfurt para explicitar aquela intuição que ele teria encontrado “no alto da atmosfera indiana” (FTG, 4) e aplicado na explicação de toda a existência.

                Outra semelhança entre Schopenhauer e Anaximandro, destacada por Nietzsche em seu livro de 1873, é a forma como ambos vêem a culpa na origem do sofrimento inerente ao devir do mundo e à existência do homem.

Para Anaximandro o devir é “uma emancipação criminosa do ser eterno, uma iniqüidade que tem de ser expiada com a ruína,” (FTG, 4)   enquanto   para  Schopenhauer o homem é “um ser que nem sequer deveria existir, mas que expia a sua existência por multiformes sofrimentos e pela morte” (Parerga e paralipomena , livro II, cap. 12. Suplemento à doutrina sobre a dor do mundo, apêndice - citado por Nietzsche em FTG, 4). Para Nietzsche, tal proposição acerca do devir significa, em Anaximandro, um importante deslocamento da preocupação com o princípio originário do campo da física para o da moral, a Como fizera em O nascimento da tragédia, no início de A filosofia na idade trágica dos gregos, Nietzsche (1995) lança sua tese de que é a intuição mística que impele os filósofos a apresentarem postulados metafísicos. É uma intuição dessa ordem que permite, por exemplo, a Tales afirmar a unidade do que existe por meio da metáfora da “água”, da mesma forma     que permite a Anaximandro postular sua tese sobre o “indefinido”. Em ambos, permanece a     idéia de um “ser em si” do qual provém a “torrente sempre renovada do devir” (FTG, 4).

"De onde as coisas tem seu nascimento, ali devem ir ao fundo, segundo a necessidade: pois tem de pagar penitência e de ser julgadas por suas injustiças conforme a ordem do tempo" (Anaximandro).

Para Anaximandro o devir, o movimento incessante e sem finalidade da natureza, é um crime digno de castigo.

Tudo o que veio a ser é culpado, a prova disto: tudo perece, quer pensemos na vida humana, na água, no quente e no frio onde quer que se constate propriedades definidas pode profetizar-se o desaparecimento destas propriedades.

"Anaximandro viu na pluralidade das coisas nascidas, uma soma de injustiças a serem expiadas. A existência é um fenômeno moral que se penitencia pelo perecer, pensando assim encontrou senão o primeiro, um dos mais profundos problemas éticos: como pode perecer algo que tem o direito de ser?" (Nietzsche, 1873).


VII. Como Anaximandro, também Schopenhauer viu a existência como um fenômeno moral. O fato de haver sofrimento na vida significa que ela não é justa, que é culpada na medida em que sofre.

"O verdadeiro critério para o julgamento de cada homem é ser ele propriamente um ser que absolutamente não deveria existir, mas se penitencia de sua existência pelo sofrimento multiforme e pela morte: o que se pode esperar de um tal ser? Não somos todos pecadores condenados à morte? Penitenciamo-nos de nosso nascimento, em primeiro lugar, pelo viver e, em segundo lugar, pelo morrer" (Schopenhauer).

A contradição original vida e sofrimento acusa a vida, ela precisa ser justificada, resgatada do sofrimento, da contradição.

Para o filósofo o único meio possível de se extinguir o sofrimento é a negação do querer viver, o que não significa o suicídio que é impotente para se atingir a paz e a redenção pessimista. Schopenhauer entende a negação do querer viver como um ato de supressão mística da vontade: é impossível extinguir a vontade mas é perfeitamente possível uma vontade de nada, a negação da vontade de viver compreendida budisticamente.

"Uma vida feliz é impossível, o máximo que o homem pode atingir é um curso de vida heróico." (Schopenhauer).

 
A partir da pergunta pelo valor da existência. Sob este mesmo aspecto também na filosofia de Schopenhauer se destaca o fato de apontar a “vontade” como a explicação última para o sofrimento no mundo, para a maldição do vir-a-ser. O problema, em ambos os filósofos, será a resposta apresentada justamente à pergunta pelo valor da existência, a qual termina por depreciá-la, pois aponta a ruína na gênese do que existe e a expiação como sua meta.

Nesses termos, a despeito da solução apresentada para o problema da “vontade” de Schopenhauer (tomando-a como uma metáfora para exteriorizar uma intuição mística), Nietzsche segue avesso às conclusões de seu mestre. E isto se revela quando ele, após aproximar Schopenhauer de Anaximandro, mostra uma grande simpatia para com Heráclito de Éfeso, que não toma o mundo como dualidade, mas considera o vir-a-ser como a única realidade. Segundo Nietzsche, enquanto Anaximandro admite “um domínio das qualidades definidas e um domínio da indefinição indefinível” (FTG, 5), Heráclito nega tanto a divisão que opõe dois  mundos diferentes, um físico e outro metafísico, quanto o ser em geral “pois o  único mundo que ele conservou […] nada mostra de aparente, nada de indestrutível,  nenhum baluarte no seu fluxo” (FTG, 5). Além disso, na concepção de Heráclito, o devir assim como ao sofrimento que lhe é inerente, não são tomados como uma maldição, castigo ou pagamento por injustiças. Ao “contemplar o devir”, ele vê apenas legalidades e não a punição ou o suplício dos condenados. (FTG, 5).

                Independentemente da posição extrema de Heráclito e da afeição que Nietzsche demonstra por ela, é importante destacar que ele apresenta duas críticas. A primeira que designamos como a sua crítica às pretensões da razão e que não se aplica ao seu mestre ou a Anaximandro, pois, segundo ele, ambos partem de uma intuição mística para formular suas proposições acerca do mundo e, no caso de Schopenhauer, o termo “vontade” seria tomado como uma metáfora para aquilo que afirmativamente nem poderia ser dito.   A segunda crítica, referente à interpretação do sofrimento como um castigo, é direcionada contra seu mestre, em relação ao qual ele procura marcar uma diferença neste ponto ao aproximar-se de Heráclito, para quem o devir é inocente.

Tendo em vista essas duas críticas, pode-se retomar o texto de A filosofia na idade trágica dos gregos e o alcance da crítica de Nietzsche a Parmênides e ao seu postulado metafísico de um mundo desprovido de movimento, estático, que é apreendido pela razão e explicitado por conceitos. Segundo Nietzsche, Parmênides, que não pode ser associado ao pensamento hindu (como Anaximandro e Schopenhauer), mas ao pensamento otimista moderno, pretende ter chegado à concepção de ser – o conceito “mais rígido, mais frio e menos expressivo de todos” – (FTG, 11) bem como à divisão entre ser e não-ser a partir de uma lógica conduzida pelo intelecto de forma irrefutável. Porém, o que ele faz é apenas colocar no mundo aquilo que observa nele mesmo. “Como se a origem empírica mais miserável não aparecesse já na etimologia da palavra [ser]! Pois ‘esse’, no fundo, significa apenas respirar: se o homem emprega essa palavra a respeito de todas as coisas, é porque, através de uma metáfora, quer dizer, de um processo ilógico, transfere a convicção de que ele próprio respira e vive para as outras coisas e concebe a existência delas como uma respiração segundo a analogia humana” (FTG, 11).

                 Para sustentar seus postulados, Parmênides efetua uma “crítica ao aparelho do conhecimento”, segundo a qual os sentidos fornecem apenas ilusões e o intelecto, capaz de efetuar abstrações, é a única faculdade capaz de chegar à “verdade”. Diferentemente, conforme vimos, para Nietzsche e também para Schopenhauer, as palavras e os conceitos não têm um papel constitutivo em relação ao conhecimento do mundo, por exemplo. Eles apenas servem para “balbuciar em língua estrangeira” o que se apreende por intuição. A reflexão científica e a dialética servem apenas para comunicar o que fora intuído e, mesmo assim, como um “meio miserável porque, no fundo,   não   passa   de   uma transposição metafórica e absolutamente inadequada para outra esfera e para outra linguagem” (FTG, 3). Esta compreensão da intuição, que Parmênides não possui, Nietzsche encontra em Anaximandro e também em Tales, que, conforme já mencionamos, lançou mão da água como uma metáfora para comunicar aquilo que havia intuído acerca da unidade de tudo o que existe.7

                 Para finalizar, diante do que foi visto e tendo presente a proposição de Zaratustra: “Retribui-se mal um mestre, quando se permanece sempre e somente discípulo,” podemos afirmar que o jovem Nietzsche retribui bem ao seu mestre. Pois a ele se aplica o que afirma em relação a Schopenhauer, que teria se apropriado da filosofia de Kant como um meio de expressão, como um instrumento retórico entre mil meios possíveis para uma única tarefa (CE, III, 7). Diferentemente do que faria um mau discípulo, também Nietzsche se apropria de fórmulas da filosofia de Schopenhauer para realizar um propósito próprio e muito diferente da finalidade inerente à filosofia de seu antecessor. 7  

Sobre este aspecto, do recurso a metáforas, Heráclito é ainda mais pródigo que os outros filósofos pré-socráticos: ao ser chamado a explicar sua filosofia, ele faz menção a Zeus, à criança, ao fogo, ao jogo e não a conceitos. Ademais, lança mão de argumentos próprios a quem não se sente obrigado a reconhecer qualquer papel criador da razão lógica. Argumentos que seriam inaceitáveis “até no domínio das idéias místicas”, tais como, por exemplo, que o uno seria, enquanto um jogo, simultaneamente o múltiplo (FTG, 7). Segundo Nietzsche: “todas as palavras de Heráclito exprimem o orgulho e a majestade da verdade, mas de uma verdade que ele apreende em intuições e que não conquista na escada de corda da lógica” (FTG, 9). Rev. Filos., Aurora, Curitiba, v. 20, n. 27, p. 337-350, jul./dez. 2008

 

                Nesses termos, a despeito da solução apresentada para o problema da “vontade” de Schopenhauer (tomando-a como uma metáfora para exteriorizar uma intuição mística), Nietzsche segue avesso às conclusões de seu mestre. E isto se revela quando ele, após aproximar Schopenhauer de Anaximandro, mostra uma grande simpatia para com Heráclito de Éfeso, que não toma o mundo como dualidade, mas considera o vir-a-ser como a única realidade. Segundo Nietzsche, enquanto Anaximandro admite “um domínio das qualidades definidas e um domínio da indefinição indefinível” (FTG, 5), Heráclito nega tanto a divisão que opõe dois  mundos diferentes, um físico e outro metafísico, quanto o ser em geral “pois o  único mundo que ele conservou […] nada mostra de aparente, nada de indestrutível,  nenhum baluarte no seu fluxo” (FTG, 5). Além disso, na concepção de Heráclito, o  devir assim como ao sofrimento que lhe é inerente, não são tomados como uma  maldição, castigo ou pagamento por injustiças. Ao “contemplar o devir”, ele vê apenas legalidades e não a punição ou o suplício dos condenados. (FTG, 5).

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Bittencourt, Renato Nunes http://www.ifcs.ufrj.br/~aisthe/vol%20II/RENATO.pdf

Schoppenhauer, Nietzsche e a questão da tragédia

 

Nietzsche fará uma transvaloração na concepção resignatória de Schopenhauer, fazendo de tal conceito não um conforto moral para aquele que compreende o caráter trágico da vida, mas um convite para a expansão da alegria pessoal, diante da certeza de que, na visão dionisíaca de mundo, não há efetivamente a “morte”.

A possibilidade de existir essa compreensão afirmativa acerca da existência, destituída de qualquer traço pessimista, entristecido, consiste na presença do coro trágico, que permanece indissolúvel, apesar das mudanças necessárias ocasionadas pelo devir e do inevitável aniquilamento individual.   Na concepção trágica, o homem descobre que o fluxo vital da existência não se extingue, ainda que a vida individual venha a se dissipar.   Nessa perspectiva, o espectador intui que a individualidade é apenas um dos aspectos da existência, e que a vida extensa não é a única possibilidade de manifestação da vida do ser humano. Essa revelação ocorre pelo fato de que, na própria dissolução individual, a potência engendradora do mundo continua a expansão de sua trajetória, possibilitando a renovação da vida nos seus mais diversos modos de expressão.

O consolo metafísico exercia um poder unificador entre a coletividade grega, pois que esta se compreendia como uma expressão coesa, abundante de força criadora capaz de proporcionar a perpetuação da cultura grega. Vendo-se como membro de uma grande unidade que supera a sua condição individual, aquele que imergia na consciência trágica se identificava dionisiacamente não apenas com o herói representado na cena, mas também com as pessoas ao seu redor, de modo que o indivíduo, encantado pela musicalidade sagrada do drama trágico, compreendia a alteridade mística proporcionada para toda pessoa que se encontrasse no seio da multidão. A alegria “metafísica” pelo trágico é uma transposição da sabedoria dionisíaca instintivamente inconsciente à linguagem da imagem; o herói, aparência suprema da vontade, é negado, para prazer nosso, porque é só aparência, e a vida eterna da vontade, por sua vez, não é afetada por sua aniquilação [idem, § 16] O coro trágico, ao cantar o sagrado louvor ao existir, afirmava assim o espírito criativo da transformação contínua da natureza. Tal como Nietzsche salienta,

É nesse coro que se reconforta o heleno com o seu profundo sentido das coisas, tão singularmente apto ao mais terno e ao mais pesado sofrimento, ele que mirou com olhar cortante bem no meio da terrível ação destrutiva da assim chamada história universal, assim como da crueldade da natureza, e que corre o perigo de ansiar por uma negação budista do querer. Ele é salvo pela arte, e através da arte salva-se nele – a vida. [idem, § 7]

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3. Virtude e Tragédia - Alessandro de Oliveira dos Santos(1)

I. Ilusão e Sofrimento. Sobre isso, sábio seria silenciar, ocultar, dissimular, mas às vezes necessidades fazem buscar o que nem se deveria procurar, arriscando-se pelo que se precisa a mais.

Destarte, tomamos nas mãos esta faina, justiça pela dureza, isolamento, falta de amigos, que uma res severa provoca. Prova, sobretudo para si mesmo, de que o esforço, as queimaduras, não se fizeram em vão...


III. Reza uma antiga lenda grega que o rei Midas perseguiu na floresta, durante longo tempo, sem conseguir capturá-lo, o sábio Sileno preceptor e servidor do deus Dioniso. Quando por fim, ele veio a cair em suas mãos, perguntou-lhe o rei qual dentre todas as coisas era a melhor e o mais preferível para o homem. Obstinado e imóvel, Sileno calava-se; até que, forçado pelo rei, prorrompeu finalmente, por entre um riso amarelo, nestas palavras:

"Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer." (Nietzsche, 1872). Observemos que O Eclesiastes já tratara desde assunto. Em Eclesiastes 7:1 diz "Melhor é a boa fama do que o melhor ungüento, e o dia da morte, do que o dia do nascimento de alguém."

A natureza é um fato sem garantia e o ser humano um episódio efêmero nesta aparição fugaz que é a vida.

Sileno nos acorda em meio a um sonho, mas somente para a consciência de que estamos sonhando e de que devemos permanecer sonhando.

Cada um sabe quanto de realidade suporta e quanto de fantasia precisa.

  A virulência do real - Sofrimento, acaso, finitude, precisamos expressá-lo sob formas que não ameaçam a existência. Sem véus, sem mitos, não vivemos. Mas o sábio, assim como o gênio esteta deve desvendar o véu da ilusão. MVR



VIII.
A vida foi acusada, julgada por causa do sofrimento e da finitude, diante deles o ser humano representou a realidade criando uma moral que acabou negando este mundo e esta vida.

O sofrimento não acusa a vida, ele é mais um elemento da sua dinâmica, um excitante, um índice para que a vida se supere. Dores de fortalecimento...

Significa coragem para perceber-se transitório e parcial, para aceitar a realidade como ela é assumindo tudo que ela tem de terrível. Significa coragem para afirmar a vida em todos os seus aspectos. Nada do que é deve ser excluído, nada é dispensável. A realidade não é uma objeção a vida, não suportá-la como um fardo, amá-la, não transcender o mundo, estetizá-lo.


IX. Nietzsche entende o sofrimento como parte integrante e fundamental da criação, como nos gregos que vivenciaram a sabedoria de Sileno e em resposta criaram a figura dos deuses e heróis.

"O grego conheceu e sentiu os temores e horrores do existir e para que lhe fosse possível de algum modo viver, teve de colocar ali, entre ele e a vida, a resplendente criação onírica dos olímpicos e mediante poderosas alucinações e jubilosas ilusões a vida se fez vitoriosa sobre uma terrível profundeza de consideração do mundo." (Nietzsche, 1872).

A jovialidade grega é uma tentativa de velamento do abismo que a sabedoria de Sileno anuncia, a projeção olímpica evita que se olhe o abismo mas ela só é possível a partir dele.

Diante da sabedoria de Sileno surge a arte como ilusão que ajuda a viver, antídoto à vontade de negar a vida, só ela tem o poder de transformar os pensamentos sobre o horror e o absurdo da existência em representações com as quais é possível viver.

Ela inventa novas maneiras da vida se expressar, para além das formas e valores de época, do corpo. Não submete a vida aos valores e as formas, mas os valores e as formas a vida fluída, ao devir. Ultrapassa as formas de passagem da vida. A vida cria a partir de sua própria vibração uma forma nova, fluída e passageira, expressando de passagem algo que ela pode e não algo que ela deve.

Destarte, que é o talento artístico?

É o talento para o sofrimento, senão há sofrimento não há necessidade da projeção de beleza. Aqui eu verifico novamente o conflito entre o santo e o artista.

Embelezar, esconder, reinterpretar. Açoitemo-nos pela arte!


X. Nietzsche vê a existência e a própria natureza como fenômenos estéticos. A natureza é a potência formadora e nesse sentido artística, criando e destruindo. Esse movimento revela o gozo estético do universo porque possibilita a pluralidade infinita de formas da vida se expressar, eternidade inesgotável de expressão de potência.


XI. "A vida deve infundir confiança. Para resolver este problema o ser humano tem de ser mentiroso, já por natureza precisa mais do que qualquer coisa, ser artista." (Nietzsche, 1872).

A moral, a religião e a ciência encaradas sobre este ponto de vista são apenas diferentes formas da mentira, rebentos da vontade de arte humana, com seu auxílio o ser humano concilia contradições, toma gosto e acredita na vida.

"Quem disse que a vida é virtuosa, somos nós que projetamos nossas virtudes sobre ela." (Nietzsche).


XII. Sofrimentos e sofredores - Há os que sofrem de superabundância da vida e fazem do sofrimento uma afirmação, do sonho e da embriaguez uma atividade. Há os que sofrem de um empobrecimento da vida e fazem do sofrimento um meio de acusá-la, contradize-la e culpá-la.

De um lado a vida que justifica o sofrimento, que afirma o sofrimento, de outro o sofrimento que acusa a vida, que testemunha contra ela. Enquanto um interioriza a dor e faz dela o testemunho de sua culpa o outro à afirma no elemento de sua exterioridade.

Toda existência é interpretativa e visa impor sua perspectiva, a partir de uma ótica de afetos vemos um real, mudando a constelação de afetos muda-se a forma de ver o real.

As interpretações, as avaliações temos as que merecemos.


XIII. Queda de um mundo ilusório de segurança e felicidade para o abismo da desgraça iniludível, todo o poder sobre a terra e o ocaso fatal, isto é a Tragédia. Ela possui como elemento constitutivo o sentimento de unidade entre a necessidade do criar e destruir, vida e morte, mostrando como os contrários se exigem e se requerem mutuamente.

Na Tragédia o herói sempre é sábio, poderoso, até viver seu ocaso sendo obrigado a encarar o lado sombrio da vida, sucumbindo perante a natureza. A Tragédia oferece uma elaboração estética do sofrimento, a vida leva embora o melhor de si.

Tragédia é a vida sendo vista sobre a ótica da crueldade - Quem suporta a experiência do devir, que ele não tem finalidade? Quem mesmo diante de abismos consegue dançar e sorrir ainda?

A vida é funeral e festa.


Notas e Referências Bibliográficas:

(1) Psicólogo graduado pela PUC/SP e mestrando do Instituto de Psicologia da USP.

Nietzsche, F. (1872) O Nascimento da Tragédia. Tradução de Jacó Guinsburg. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

---------------- (1873) A filosofia na idade trágica dos gregos. Tradução de Maria I. M. Andrade. Rio de Janeiro, Elfos, 1995.

Pré-Socráticos. Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1989.

Schopenhauer, A. Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1988.

 

 



[1] A mecânica quântica é a teoria física que obtém sucesso no estudo dos sistemas físicos cujas dimensões são próximas ou abaixo da escala atômica, tais como moléculas, átomos, elétrons, prótons e de outras partículas subatômicas, muito embora também possa descrever fenômenos macroscópicos em diversos casos. A Mecânica Quântica é um ramo fundamental da física com vasta aplicação. A teoria quântica fornece descrições precisas para muitos fenômenos previamente sem explicação tais como a radiação de corpo negro e as órbitas estáveis do elétron. Apesar de na maioria dos casos a Mecânica Quântica ser relevante para descrever sistemas microscópicos, os seus efeitos específicos não são somente perceptíveis em tal escala. Por exemplo, a explicação de fenômenos macroscópicos como a superfluidez e a supercondutividade só é possível se considerarmos que o comportamento microscópico da matéria é quântico. A quantidade característica da teoria, que determina quando ela é necessária para a descrição de um fenômeno, é a chamada constante de Planck, que tem dimensão de momento angular ou, equivalentemente, de ação.
A mecânica quântica recebe esse nome por prever um fenômeno bastante conhecido dos físicos: a quantização. No caso dos estados ligados (por exemplo, um elétron orbitando em torno de um núcleo positivo) a Mecânica Quântica prevê que a energia (do elétron) deve ser quantizada. Este fenômeno é completamente alheio ao que prevê a teoria clássica. (Improvisado da Wickipédia dia 17 ago 2010, 18 22 hs.

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